O Abandono
Ouvia o noticiário enquanto tomava café.
O entrevistado falava do centro de atendimento médico aos refugiados da Ucrânia. Mencionava o estado emocional deplorável com que chegam as pessoas e citava o caso de uma senhora de mais de 60 anos; ela chegou desesperada com a filha de 14 e pediu aos prantos: “Estou com câncer, estou morrendo. Tudo o que quero é encontrar alguém que cuide da minha filha, não temos ninguém.”
E ele completou: Assim como tem muita gente nas fronteiras querendo ajudar, tem outros, com intenções das piores possíveis…. e a entrevista continuou.
Meu corpo gelou, na garganta senti um nó. Respirei fundo.
Segui o meu dia. No treino, ao monitorar meus batimentos cardíacos, algo parecia não estar bem, depois de uma pequena corrida, eles não baixavam. Meu treinador estranhou e perguntou há quanto tempo não fazia um eletro.
Voltei para casa pensando que era apenas uma indisposição por conta do calor excessivo. No caminho piorava, a vista ficou turva, o corpo gelado tremia e os pés e as mãos endureceram. Respirava o máximo que podia tentando me acalmar, estava no trânsito e o mal estar só piorava. Gravei mensagem para o treinador e ele pediu para parar o carro. Eu sabia que tinha que fazer isso, mas fui tomada por um medo avassalador.
Consegui parar na porta de um clube onde algumas pessoas me ajudaram e levaram para uma sala onde uma médica estava de plantão.
Quando cheguei nela, na cadeira de rodas, só senti sua mão fazer um leve carinho nos meus braços e pedindo para me acalmar.
Nesse instante lembrei da notícia e chorei, percebi que o tema do abandono tinha me tocado profundamente. Ele acionou memórias dolorosas de abandono no meu corpo, de um momento que vivi onde pareceu que tudo estava desmoronando e não tinha a menor ideia do que ia fazer. Foi um instante de tanta dor e medo que apenas congelei, sem conseguir derramar uma lágrima sequer. Me vi no lugar daquela menina que aos 14 anos estava completamente vulnerável diante das circunstancias e do caos.
Me permiti chorar e sentir essa emoção, reconhecendo como foi difícil ter passado por ela, mas também reforçou algo que já vinha sentindo dentro de mim: a necessidade de fazer mais, não necessariamente do outro lado do mundo, mas aqui, onde tem muitas pessoas sozinhas, tristes e sem esperança.
Depois de dois anos de isolamento, de noticias trágicas e preocupações das mais diversas, todos estamos precisando de mais apoio, contato físico e amor.